Marcelo vivia fazendo
perguntas a todo mundo:
— Papai, por que é que a
chuva cai?
— Mamãe, por que é que o
mar não derrama?
— Vovó, por que é que o
cachorro tem quatro pernas?
As pessoas grandes às
vezes respondiam. Às vezes, não sabiam como responder.
— Ah, Marcelo, sei lá...
Uma vez, Marcelo cismou
com o nome das coisas:
— Mamãe, por que é que eu
me chamo Marcelo?
— Ora, Marcelo foi o nome
que eu e seu pai escolhemos.
— E por que é que não
escolheram martelo?
— Ah, meu filho, martelo
não é nome de gente! É nome de
ferramenta...
— Por que é que não
escolheram marmelo?
— Porque marmelo é nome
de fruta, menino!
— E a fruta não podia
chamar Marcelo, e eu chamar marmelo?
No dia seguinte, lá vinha
ele outra vez:
— Papai, por que é que
mesa chama mesa?
— Ah, Marcelo, vem do
latim.
— Puxa, papai, do latim?
E latim é língua de cachorro?
— Não, Marcelo, latim é
uma língua muito antiga.
— E por que é que esse
tal de latim não botou na mesa nome de cadeira, na cadeira nome de parede, e na
parede nome de bacalhau?
— Ai, meu Deus, este
menino me deixa louco!
Daí a alguns dias,
Marcelo estava jogando futebol com o pai:
— Sabe, papai, eu acho
que o tal de latim botou nome errado nas coisas. Por exemplo: por que é que
bola chama bola?
— Não sei, Marcelo, acho
que bola lembra uma coisa redonda, não lembra?
— Lembra, sim, mas... e
bolo?
— Bolo também é redondo,
não é?
— Ah, essa não! Mamãe
vive fazendo bolo quadrado...
O pai de Marcelo ficou
atrapalhado.
E Marcelo continuou
pensando:
"Pois é, está tudo
errado! Bola é bola, porque é redonda. Mas bolo nem sempre é redondo. E por que
será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E belo? E bala? Eu acho que as
coisas deviam ter nome mais apropriado. Cadeira, por exemplo. Devia chamar sentador,
não cadeira, que não quer dizer nada. E travesseiro? Devia chamar cabeceiro,
lógico! Também, agora, eu só vou falar assim".
Logo de manhã, Marcelo
começou a falar sua nova língua:
— Mamãe, quer me passar o
mexedor?
— Mexedor? Que é isso?
— Mexedorzinho, de mexer
café.
— Ah... colherinha, você
quer dizer.
— Papai, me dá o suco de
vaca?
— Que é isso, menino!
— Suco de vaca, ora! Que
está no suco-da-vaqueira.
— Isso é leite, Marcelo.
Quem é que entende este menino?
O pai de Marcelo resolveu
conversar com ele:
— Marcelo, todas as
coisas têm um nome. E todo mundo tem que chamar pelo mesmo nome porque, senão,
ninguém se entende...
— Não acho, papai. Por
que é que eu não posso inventar o nome das coisas?
— Deixe de dizer
bobagens, menino! Que coisa mais feia!
— Está vendo como você
entendeu, papai? Como é que você sabe
que eu disse um nome
feio?
O pai de Marcelo
suspirou:
— Vá brincar, filho,
tenho muito que fazer...
Mas Marcelo continuava
não entendendo a história dos nomes. E resolveu continuar a falar, à sua moda.
Chegava em casa e dizia:
— Bom solário pra
todos...
O pai e a mãe de Marcelo
se olhavam e não diziam nada. E
Marcelo continuava
inventando:
— Sabem o que eu vi na
rua? Um puxadeiro puxando uma carregadeira. Depois, o puxadeiro fugiu e o
possuidor ficou danado.
A mãe de Marcelo já
estava ficando preocupada. Conversou com o pai:
— Sabe, João, eu estou
muito preocupada com o Marcelo, com essa mania de inventar nomes para as
coisas... Você já pensou, quando começarem as aulas? Esse menino vai dar
trabalho...
— Que nada, Laura! Isso é
uma fase que passa. Coisa de criança...
Mas estava custando a
passar... Quando vinham visitas, era um caso sério. Marcelo só cumprimentava
dizendo:
— Bom solário, bom
lunário... — que era como ele chamava o dia e a noite.
E os pais de Marcelo
morriam de vergonha das visitas.
Até que um dia...
O cachorro do Marcelo, o
Godofredo, tinha uma linda casinha de madeira que Seu João tinha feito para
ele. E Marcelo só chamava a casinha de moradeira, e o cachorro de Latildo. E
aconteceu que a casa do Godofredo pegou fogo. Alguém jogou uma ponta de cigarro
pela grade, e foi aquele desastre!
Marcelo entrou em casa
correndo:
— Papai, papai, embrasou
a moradeira do Latildo!
— O quê, menino? Não
estou entendendo nada!
— A moradeira, papai,
embrasou...
— Eu não sei o que é
isso, Marcelo. Fala direito!
— Embrasou tudo, papai,
está uma branqueira danada!
Seu João percebia a
aflição do filho, mas não entendia nada... Quando Seu João chegou a entender do
que Marcelo estava falando, já era tarde. A casinha estava toda queimada. Era
um montão de brasas.
O Godofredo gania
baixinho...
E Marcelo,
desapontadíssimo, disse para o pai:
— Gente grande não
entende nada de nada, mesmo!
Então a mãe do Marcelo
olhou pro pai do Marcelo. E o pai do Marcelo olhou pra mãe do Marcelo.
E o pai do Marcelo falou:
— Não fique triste, meu
filho. A gente faz uma moradeira nova pro Latildo.
E a mãe do Marcelo disse:
— É sim! Toda branquinha,
com a entradeira na frente e um cobridor bem vermelhinho... E agora, naquela
família, todo mundo se entende muito bem. O pai e a mãe do Marcelo não
aprenderam a falar como ele, mas fazem força pra entender o que ele fala.
E nem estão se
incomodando com o que as visitas pensam...
Você gostou do fim da
história?
Se você fosse o autor, como
é que você gostaria que a história acabasse?
Por que é que você não
escreve a história de um menino, ou de uma menina, que também inventou um jeito
diferente de falar?
Ruth Rocha - Marcelo, marmelo, martelo. (SALAMANDRA CONSULTORIA EDITORIAL S.A.)
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